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terça-feira, 22 de junho de 2010

Um pouco mais sobre (o nosso) patriotismo

Um sujeito chamado Samuel Johnson, inglês que viveu no século XVIII, disse certa vez que "o patriotismo é o último refúgio de um canalha". É provável que você já tenha ouvido essa frase antes, frases de efeito são repetidas por aí com muita frequência, mesmo por quem não entende muito bem o que elas signifiquem de fato.

Sim, fronteiras são linhas imaginárias. Elas nada significariam se nós não acreditássemos nelas. É evidente as diferenças culturais que cada povo tem. No entanto, nos achamos tão diferentes (no sentido de ser melhor e pior) um dos outros porque pensamos que somos.

O patriotismo nada mais é do que um sentimento de pertencimento à algum lugar ou algum grupo. As fronteiras dos países não são obra da natureza e não estão onde estão desde que o mundo é mundo. Elas foram criadas pelos homens, homens estes que tinham interesses diversos à defender. E é através desse sentimento, por exemplo, que um governo convence seus homens a lutar numa guerra que, provavelmente, não trará nenhum beneficio direito a ele.

Um bom exemplo para ilustrar meu argumento é um belíssimo filme chamado Feliz Natal (Joyeux Nöel,2005). Na Primeira Guerra Mundial, que foi uma guerra de trincheiras, alemães, franceses e escoceses fazem um trégua por causa do dia de natal. Quando entram em contato uns com os outros descobrem que todos deixaram entes queridos em casa e que já viram amigos morrerem. Acabam, por fim, percebendo que tem mais em comum uns com os outros do que com àqueles que lhes enviaram em guerra e que aqueles interesses pelo qual lutavam não eram os seus próprios.

O patriotismo é sim um refúgio de canalhas, pois usa-se esse sentimento em nome de interesses de poucos, em nome de dinheiro e poder, em nome de controle social. O patriotismo é uma arma da sociedade moderna em benefício das classes dominantes. Mas o patriotismo não é o único refúgio dos canalhas, não. Sei sim que tem muita gente por aí que camufla seus preconceitos em argumentos religiosos, por exemplo. Mas isso é assunto para outro dia!


Nós, brasileiros, não somo patriotas. A construção do nosso sentimento de pertencimento foi um pouco estranha, na minha particular opinião, mas deu certo. Porque não sendo nada patriotas, não sendo pessoas socialmente ativas e ligadas ao conhecimento somos facilmente alienados. Estou errada?!

Somos simpáticos com estrangeiros, mas violentos uns com os outros. Não reivindicamos nossos direitos porque costuma dar muito trabalho. Ainda jogamos lixo no chão, mijamos na rua e não economizamos água porque não temos noção de deixar um legado.

Contudo, de vez em quando, é bom lembrar que fazemos parte da mesma coisa, né? Para manter a coisa integrada! Aí a gente se junta e esquece que toma ônibus lotado e que o nosso governo é corrupto por nós também somos (levamos papel sulfite do nosso local de trabalho para casa - e nos achamos muito espertos! Então nós nos fantasiamos e passamos uma semana pulando carnaval! Eba! Posso avacalhar e lavar a alma!

Ou então, de quatro em quatro anos, penduramos bandeiras por todo o canto e, alguns, até se emocionam com o hino!! É claro, gostamos de futebol e nos orgulhamos de praticar bem esse esporte (que, pessoalmente, também gosto muito). Então mandamos nosso exército canarinho lutar nos gramados! E somos exigentes! Queremos vitórias, goleadas! E se ela não vier, o país ficará com cara de velório uma semana e as bandeirinhas vão sumir. E a vitória vier o país vai se embebedar! Viva! É corinthiano e palmeirense se abraçando!

De qualquer maneira isso tudo passa, as bandeiras somem e vamos voltar a nos desprezar com a volta do brasileirão. O nosso patriotismo vai embora junto com a Copa. Recolham as bandeirinhas, rápido!

Eu também não sou patriota. Não me acho melhor que os argentinos, nem que ninguém. Nós somos diferentes, mas não melhor ou pior. Mas acontece que, enquanto o mundo me tratar como uma brasileira eu vou me comportar como tal. E vou me comportar como tal todo dia. Não só até julho.

Porque ser brasileiro não é gostar de futebol, bunda, samba e carnaval. Ser brasileiro é respeitar as pessoas, é ser gentil, é pensar na educação das crianças. É acreditar na educação. É pensar bem antes de votar no menos pior. Porque votar no menos pior ainda não é bom. E isso é preciso se fazer todo dia. É preciso ser brasileiro todo dia. Mais do que isso. É preciso ser humano todo dia.
Meu caro colega aqui já disse, mas vou enfatizar: a questão não é menosprezar o futebol. A questão é não deixar de pensar por conta disso.
Vale lembrar que em outubro tem eleições. É um bom momento para se sentir brasileiro. Não é tão divertido quanto a Copa, mas decidir quem governa sua vida é mais importante do que o hexa!
Abraços!

4 comentários:

  1. Estava conversando algo semelhante durante esses dias com alguns amigos, na realidade não acho que todo esse sentimento que a maioria dos brasileiros criam quando se chega uma Copa do Mundo possa ser chamado de patriotismo.
    Acredito que é o mesmo sentimento (ampliado em números de pessoas) que se tem quando se torce para o São Paulo ou para o Corinthians, você vê bandeiras, camisas, as cores, etc. da equipe.

    Vejo como um país que torce e defende seu time que foi disputar uma competição, a proporção é extremamente maior pelo intervalo de quatro anos que existe e pela importância que tem uma Copa do Mundo. Mas não vejo e nunca vi esse "patriotismo repentino", encaro como uma porção de gente torcendo pela mesma seleção e não fragmentado por times como um campeonato nacional. Acho até que se irmos para um estádio em dia de jogo comum do Brasileirão, no meio de uma torcida organizada, esse "patriotismo" é bem maior do que do povo pela Seleção Brasileira.

    Quem força, sim, essa questão de "sou brasileiro, blá blá blá" são as campanhas publicitárias.

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  2. A Copa do Mundo tem seus efeitos patrióticos aqui no Brasil como, creio eu, nos outros países também. Muita gente se emociona ouvindo o hino nacional, mas geralmente nem presta atenção durante sua execução nos campeonatos nacionais/estaduais. Imagina só o efeito da vitória da Alemanha, por exemplo, em 1990, logo após a quedo do muro de Berlim?

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  3. Belo texto. Esse assunto sempre me incomoda na época de copa... e também achei interessante a colocação do Raul!
    Realmente o brasileiro não tem uma relação com a Pátria como vejo e imagino que haja em outros países. Nos EUA, por exemplo, muitas casas hasteiam a bandeira americana no 04 de julho. Em países europeus como a França, o povo se manifesta quando algo grave acontece (greve geral, passeatas, etc).
    A construção do povo brasileiro é um negócio esquisito mesmo... só dá pra entender com uma boa leitura "O povo brasileiro", de Darcy Ribeiro!
    Ótimo blog!
    Abraços!

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  4. Eu analiso da seguinte forma: cada país teve a construção do seu sentimento de nação de uma maneira diferente. A formação histórica dos países foram diferentes, feitos por interesses diferentes. Nos EUA, por exemplo, o povo é muito patriota, pois é a maneira mais eficaz de fazê-los apoiar guerras, a idéia de império que eles tanto tem na cabeça...

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